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06/11/2025

Tema 1.182 do STJ: Orientações práticas sobre a exclusão de incentivos fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e CSLL

Por Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto

A tributação federal sobre os incentivos fiscais estaduais de ICMS consolidou-se como uma das controvérsias mais relevantes do direito tributário brasileiro nas últimas décadas. O debate ganhou contornos definidos em novembro de 2017, quando a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o EREsp 1.517.492/PR, estabeleceu que os créditos presumidos de ICMS não integram a base de cálculo do IRPJ e da CSLL[1]. O fundamento central dessa decisão reside na proteção ao pacto federativo: a tributação federal sobre os benefícios estaduais representaria indevida interferência na autonomia dos Estados para implementarem suas políticas fiscais de desenvolvimento econômico regional.

Esse precedente, contudo, tratava especificamente de créditos presumidos, deixando em aberto a questão sobre os demais incentivos fiscais de ICMS. A Lei Complementar 160/2017 buscou solucionar essa controvérsia ao equiparar todos os incentivos fiscais de ICMS a subvenções para investimento, permitindo, em tese, a exclusão de seus valores da tributação federal. A Receita Federal resistiu a essa interpretação ampla por meio da Solução de Consulta Cosit nº 145/2020, que passou a exigir a comprovação de que os benefícios foram concedidos como estímulo direto à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Em 26 de abril de 2023, a Primeira Seção do STJ julgou o Tema 1.182, estabelecendo teses que buscaram harmonizar os diferentes entendimentos e trazer maior segurança jurídica aos contribuintes[2].

As teses do Tema 1.182 e suas implicações

O Superior Tribunal de Justiça fixou três teses fundamentais que reorganizam o tratamento tributário dos incentivos fiscais de ICMS. A primeira tese estabelece que os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção e diferimento, não podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/2014. Essa definição deixa claro que o entendimento favorável aos contribuintes estabelecido no EREsp 1.517.492/PR não se estende automaticamente aos demais benefícios fiscais, criando assim regimes jurídicos distintos, conforme a natureza específica de cada incentivo.

A segunda tese representa uma vitória significativa para os contribuintes, ao afastar a interpretação restritiva que vinha sendo adotada pela Receita Federal. O STJ determinou expressamente que não deve ser exigida a demonstração prévia de que o benefício fiscal foi concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Essa dispensa elimina a necessidade de comprovação do nexo causal entre o incentivo recebido e os investimentos específicos realizados pela empresa, facilitando substancialmente o aproveitamento do benefício pelas organizações que atendem aos demais requisitos legais.

A terceira tese, por sua vez, preserva o poder fiscalizatório da administração tributária em casos específicos. Embora o STJ dispense a comprovação prévia, estabeleceu que a Receita Federal mantém a prerrogativa de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSLL caso verifique, durante procedimento fiscalizatório, que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico. Essa ressalva mantém o controle posterior sobre a destinação adequada dos recursos recebidos.

Créditos presumidos versus demais benefícios

A compreensão adequada do Tema 1.182 exige a distinção precisa entre os créditos presumidos de ICMS e os demais benefícios fiscais, uma vez que seus tratamentos jurídicos são substancialmente diferentes. Os créditos presumidos receberam proteção especial fundamentada diretamente no princípio constitucional do pacto federativo, conforme estabelecido no precedente de 2017. Sua exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL opera de forma automática, independendo do cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 30 da Lei 12.973/2014. A razão dessa distinção está na natureza jurídica específica do crédito presumido: trata-se de valor escritural que não representa ingresso efetivo de recursos no patrimônio da empresa, mas sim renúncia de receita pelo Estado concedente como instrumento de sua política fiscal.

Os demais benefícios fiscais, como as reduções de base de cálculo, as reduções de alíquota, as isenções e os diferimentos, seguem regime jurídico diverso e mais restritivo. Para esses incentivos, a exclusão da tributação federal não opera automaticamente, dependendo do cumprimento cumulativo de dois requisitos essenciais. O primeiro requisito consiste no registro contábil dos valores em conta específica denominada “Reserva de Incentivos Fiscais”, que deve ser classificada adequadamente no patrimônio líquido da empresa. O segundo requisito estabelece que essa reserva somente pode ser utilizada para duas finalidades específicas: a absorção de prejuízos acumulados ou o aumento do capital social da companhia. Qualquer destinação diversa, especialmente a distribuição aos sócios a título de lucros, descaracteriza a subvenção para investimento e atrai a incidência da tributação federal sobre os valores.

Requisitos práticos e rigidez na aplicação

A análise da jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais revela um rigor absoluto na exigência do cumprimento dos requisitos legais estabelecidos pelo STJ. O registro contábil adequado na conta “Reserva de Incentivos Fiscais” tornou-se condição sine qua non para o reconhecimento do direito à exclusão dos valores da base de cálculo dos tributos federais. A ausência da apresentação de prova relativamente ao cumprimento desse registro específico com a exordial, mesmo quando da existência de lucros acumulados que permitiriam a mera alocação do resultado já auferido em contas de reservas, tem resultado em negativas sistemáticas do benefício pleiteado pelos contribuintes. A maioria dos tribunais regionais têm rejeitado a possibilidade de retificação contábil extemporânea. O entendimento prevalente estabelece que o registro deve ser contemporâneo ao reconhecimento contábil inicial do benefício, refletindo sua natureza jurídica de subvenção para investimento desde a sua origem.

Por outro lado, há precedentes proferidos pelo CARF que indicam, na contextualização fática do acórdão, que a própria fiscalização tributária já aceitou o registro extemporâneo de valores de incentivos fiscais em contas de reservas, desde que o lucro fosse auferido de forma contemporânea aos fatos geradores. Isso demonstra que a melhor compreensão do arcabouço técnico contábil relacionado à constituição de reserva tem levado a decisões administrativas menos restritivas que as proferidas pelo Judiciário.

Lei 14.789/2023 e a redefinição do cenário jurídico

A publicação da Lei 14.789/2023, ocorrida em 29 de dezembro de 2023 e com vigência estabelecida a partir de 1º de janeiro de 2024, alterou profundamente o regime jurídico aplicável às subvenções para investimento no país. A nova legislação revogou expressamente o artigo 30 da Lei 12.973/2014, eliminando o fundamento legal que anteriormente permitia a exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Em substituição ao regime anterior, a lei criou um sistema de crédito fiscal no valor correspondente a 25% das receitas de subvenção, aplicável apenas às empresas que receberem subvenções destinadas à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e que se habilitarem previamente junto à Receita Federal[3].

O novo regime estabelecido apresenta limitações significativas que reduzem substancialmente sua atratividade econômica para os contribuintes. O crédito fiscal de 25% corresponde apenas à alíquota básica do IRPJ, não compensando a incidência adicional da CSLL (9%), da Contribuição ao PIS (1,65%) e da Cofins (7,6%), tributos que também passaram a incidir sobre as subvenções a partir da nova legislação.

A controvérsia mais relevante gerada pela Lei 14.789/2023 refere-se especificamente aos créditos presumidos de ICMS. A jurisprudência consolidada nos últimos anos estabeleceu que a exclusão desses créditos da tributação federal fundamenta-se diretamente no princípio constitucional do pacto federativo, independentemente de qualquer previsão em lei ordinária. Sob essa perspectiva jurídica, a revogação do artigo 30 da Lei 12.973/2014 não teria o condão de permitir a tributação dos créditos presumidos, uma vez que a incompetência da União para tributar os benefícios concedidos pelos Estados-membros decorre de comando constitucional que não pode ser alterado por legislação infraconstitucional.

As decisões judiciais recentes têm confirmado essa interpretação favorável aos contribuintes. Em maio de 2025, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 2.202.266/RS sob a relatoria do Ministro Gurgel de Faria, ratificou expressamente que o entendimento consolidado de que os créditos presumidos de ICMS devem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL persiste plenamente vigente mesmo após a entrada em vigor da Lei 14.789/2023[4]. Diversas decisões de primeira instância proferidas por juízes federais em diferentes regiões do país têm seguido essa mesma linha interpretativa, concedendo liminares que asseguram aos contribuintes o direito de manter a exclusão dos créditos presumidos.

Estratégias para contribuintes

As organizações que recebem incentivos fiscais de ICMS enfrentam atualmente um cenário de elevada complexidade jurídica e significativa insegurança regulatória, o que exige planejamento tributário cuidadoso e assessoria especializada. Para os créditos presumidos de ICMS, a tendência jurisprudencial mantém-se favorável aos contribuintes mesmo após a vigência da Lei 14.789/2023, embora a Receita Federal tenha adotado uma postura administrativa de exigir a tributação desses valores. Empresas que ainda não possuem discussão judicial protegendo seus direitos devem avaliar criteriosamente o ajuizamento de medida preventiva para assegurar a continuidade da exclusão, considerando que a jurisprudência atual é sólida, mas pode eventualmente ser alterada em futuras discussões tanto no STJ quanto no STF.

Para os demais benefícios fiscais que não se enquadram como créditos presumidos, as empresas que receberam esses incentivos até 31 de dezembro de 2023 e cumpriram integralmente os requisitos estabelecidos no artigo 30 da Lei 12.973/2014 possuem forte fundamento jurídico para defender a exclusão dos valores. A documentação contábil robusta demonstrando o registro adequado na reserva de incentivos fiscais e a destinação apropriada dos valores torna-se absolutamente essencial para qualquer eventual defesa administrativa ou judicial do direito adquirido sob a legislação anterior.

Para os incentivos recebidos a partir de 1º de janeiro de 2024, quando a Lei 14.789/2023 já estava plenamente em vigor, a situação demanda análise individualizada considerando as características específicas de cada empresa e de cada benefício. As organizações que pretendem questionar a constitucionalidade da nova legislação devem considerar seriamente o ajuizamento de medida judicial fundamentada na violação ao pacto federativo e na impossibilidade constitucional de a União tributar instrumentos de política fiscal estadual. Alternativamente, podem optar pela habilitação junto à Receita Federal para o aproveitamento do crédito fiscal de 25% instituído pela nova lei, realizando previamente uma análise econômica detalhada para avaliar se essa alternativa resulta efetivamente mais vantajosa do que o contencioso judicial, considerando todos os custos, prazos e riscos envolvidos.

A implementação de controles internos robustos representa medida essencial independentemente da estratégia tributária adotada pela empresa. As organizações devem revisar minuciosamente seus sistemas contábeis para assegurar a correta identificação e o registro apropriado dos diversos tipos de incentivos fiscais recebidos, segregando adequadamente os créditos presumidos dos demais benefícios. O acompanhamento contínuo da evolução jurisprudencial também merece atenção prioritária, especialmente considerando que o Superior Tribunal de Justiça reativou, em dezembro de 2024, a Controvérsia 576, que pode resultar em um novo julgamento abrangente sobre a tributação dos créditos presumidos e potencialmente revisar o entendimento consolidado nos últimos anos[5].


Notas de Rodapé

[1] STJ, EREsp 1.517.492/PR, 1ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/11/2017.

[2] STJ, Tema Repetitivo 1.182, REsp 1.945.110/RS e REsp 1.987.158/SC, 1ª Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/04/2023, acórdão publicado no DJe de 12/06/2023.

[3] BRASIL. Lei nº 14.789, de 29 de dezembro de 2023. Revoga o art. 30 da Lei nº 12.973/2014 e estabelece novo regime para subvenções para investimento.

[4] STJ, REsp 2.202.266/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em maio/2025. Embora a referida decisão monocrática tenha sido tornada sem efeito, por questão processual (a Lei nº 14.789/2023 é posterior ao ajuizamento da ação e não foi objeto de discussão anterior nos autos), é um indicativo de como o Ministro decidirá a questão.

[5] CONJUR. STJ reativa tema sobre tributação de crédito presumido de ICMS. Publicado em 30/12/2024.

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