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01/03/2023

A tributação dos juros SELIC pelo IRPJ e pela CSLL – Tema nº 962 do STF – RE nº 1.063.187/SC

A natureza jurídica dos juros equivalentes à taxa SELIC pagos pelo Fisco na repetição de indébito sempre causou murmúrios na esfera tributária, notadamente porque impacta diretamente a incidência dos tributos sobre a renda (IRPJ e CSLL). Quanto a este particular, as divergências entre Fisco e Contribuinte se resolveram definitivamente apenas quando a discussão chegou ao STF.

Isso porque, ao julgar o Tema 962 da Repercussão Geral (leading case o RE nº 1.063.187/SC), o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário” (gifou-se).

Restou assentando no julgamento que os juros da taxa SELIC (que compreendo juros de mora e correção monetária, segundo jurisprudência dominante) não estão sujeitos à tributação pelo IRPJ e pela CSLL pois não constituem acréscimo patrimonial, mas mera indenização pelo atraso no pagamento da dívida.

Inconformada com sua derrota, a Fazenda Nacional tentou limitar o alcance dessa decisão.

A sua tentativa para restringir a aplicação da tese fixada em seu desfavor ocorreu com a oposição de embargos de declaração, em 07/02/2022, com notório intuito infringente, de sorte a reduzir o relevante impacto nos cofres públicos.

Em síntese, a União Federal objetivou:

  • limitar a aplicação do julgado às pessoas jurídicas (excluir as pessoas físicas);

  • modular os efeitos da decisão; e

  • delimitar as hipóteses de aplicação da decisão firmada pelo STF apenas às ações de repetição de indébito tributário e à restituição de tributos cobrados indevidamente pelo Fisco (hipóteses em que a Fazenda Pública é constituída em mora), excluindo o indébito decorrente de erro do contribuinte e os recolhimentos a maior realizados força de legislação válida, como é o caso do saldo negativo do IRPJ e da CSLL (valores pagos a título de estimativas mensais que se mostraram maiores que o IRPJ e CSLL efetivamente devidos no ano).

É sobre esse último aspecto que se pretende abordar na sequência.

A União Federal pretendeu fazer crer que a caracterização da taxa SELIC como compensação por danos emergentes (o que afasta a tributação pelo IRPJ e pela CSLL), no pagamento de indébito tributário, ocorre apenas quando constituída em mora a Fazenda Pública, onde houve, de fato, uma cobrança indevida pelo Erário.

Ocorre que, como bem destacou a União em seus aclaratórios, a compensação pela mora da Fazenda Pública não é a única hipótese de incidência da taxa SELIC na esfera tributária. O seu campo de aplicação é muito mais amplo.

Ela incide, por exemplo, nos pedidos de compensação e/ou restituição transmitidos pelos contribuintes na esfera administrativa, no ressarcimento de créditos decorrentes da própria atividade da pessoa jurídica, como retenção a maior na fonte ou pagamento por estimativa superior aos efetivos fatos gerados quando realizada a apuração anual dos tributos, em 31 de dezembro (que, neste caso, se transforma em saldo negativo de IRPJ e de CSLL do ano seguinte), bem como no levantamento de depósitos judiciais.

No entanto, a União tentou afastar a natureza indenizatória da taxa SELIC nestas hipóteses, a fim de submetê-la à tributação pelo IRPJ e pela CSLL.

A única hipótese em que ela reconheceu a mora pela Administração Pública, em se tratando de pedido de restituição administrativo, é quando o Fisco extrapola o prazo previsto no artigo 24 da Lei nº 11.457/2007 (360 dias) para análise do requerimento.

Através da simples leitura dos embargos, é possível constatar a intenção da União em tentar suprimir os efeitos da tese fixada em favor dos contribuintes.

Tanto que seu pedido foi para que o acórdão esclarecesse que “os pedidos de restituição, compensação, levamento de depósitos judiciais não estão incluídos no julgamento quando ausente o ilícito pressuposto no julgado ou qualquer cobrança indevida por parte da Fazenda Pública, bem como os juros de mora avençados em contratos entre particulares” (grifou-se).

Em 13/05/2022 foi publicado o acórdão que acolheu, em parte, os embargos opostos pela União Federal.

De pronto, o STF rejeitou a alegação de que a tese não se aplica às pessoas físicas.

A Suprema Corte deixou claro que a tese de repercussão geral se aplica apenas aos valores atinentes à taxa SELIC recebidos na repetição de indébito tributário, inclusive quando realizada por meio de compensação, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial.

O relator, Ministro Dias Toffoli, concluiu que a intenção da União desborda do tema posto à julgamento na repercussão geral ao tentar classificar as hipóteses para emprego da tese fixada ou as situações em que se configura a mora pela Fazenda Pública.

Diante deste cenário, a Fazenda Nacional editou o Parecer SEI nº 11469/2022, com vigência a partir de 08/08/2022, a fim de incluir o Tema 962/STF na lista de dispensa de contestar e recorrer.

Nesse Parecer, a Fazenda Nacional reconheceu a abrangência do acórdão paradigma, observados os marcos temporais da modulação:

  • aos pedidos de repetição de indébito tributário, inclusive a realizada por meio de compensação, na esfera judicial e administrativa, tanto com relação às pessoas jurídicas (incidência do IRPJ e CSLL), quanto às físicas (incidência do IRPF); e

  • aos pedidos de ressarcimento dos créditos escriturais acrescidos de SELIC, quando configurada a mora administrativa.

Por outro lado, deixou claro o seu entendimento pela inviabilidade de estender os fundamentos determinantes do Tema 962 aos juros de mora devidos no levantamento de depósitos judiciais e extrajudiciais, bem como nos contratos privados.

Percebe-se que a Fazenda Nacional interpretou de maneira contrária aos interesses dos contribuintes algumas das matérias suscitadas em seus aclaratórios e que não foram objeto de manifestação expressa pelo STF.

Contudo, é possível defender que os fundamentos adotados no julgamento da repercussão geral aplicam-se sim aos direitos creditórios que são objeto de discordância pela Fazenda Nacional, como é o caso dos depósitos judiciais.

A tributação da SELIC incidente na devolução de tributos pagos a maior, mas que não foram reputados indevidos (diante da ilegalidade ou inconstitucionalidade de uma lei, por exemplo), como é caso do saldo negativo do IRPJ e da CSLL, é outro aspecto que não foi abordado no Parecer SEI nº 11469/2022 ou no acórdão proferido pelo STF no julgamento dos embargos declaratórios, mas que pode gerar controvérsia entre Fisco e Contribuintes, considerando a interpretação restritiva comumente conferida pela Fazenda.

As estimativas de IRPJ e de CSLL fazem parte de uma sistemática de arrecadação do Poder Público que visa apenas garantir, mensalmente, o pagamento do tributo que é devido anualmente.

Apenas ao final do ano-calendário, em 31 de dezembro, quando ocorre a apuração do lucro real, é que o fato gerador do IRPJ e da CSLL se concretiza. Nesse momento, verifica-se se as antecipações vertidas ao longo do ano foram suficientes para pagamento dos tributos.

Caso o valor recolhido por antecipação (estimativa mensal) seja superior ao IRPJ e à CSLL efetivamente devidos no ano, a diferença recolhida a maior é denominada de saldo negativo, que pode ser compensado ou restituído a partir do ano seguinte, devidamente acrescido dos juros da taxa SELIC.

Até ter restituído o saldo negativo, o Contribuinte está privado de parte do seu patrimônio, que é apropriado temporariamente pela União.

Embora não haja uma ilegalidade ou inconstitucionalidade na dinâmica de pagamento das estimativas mensais, fato é que são realizados pagamentos que, em momento posterior (encerramento do exercício financeiro), mostram-se maiores que o devido, ensejando a incidência de juros equivalentes à taxa SELIC a partir do primeiro dia do exercício seguinte.

E, como antecipado, a Corte Suprema entendeu que os valores atinentes à taxa SELIC não constituem acréscimo patrimonial e, por isso, não configuram hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL.

O Relator do caso, Ministro Dias Toffoli, reconheceu que os valores da taxa SELIC recebidos na repetição de indébito tributário visam recompor efetivas perdas ou decréscimos no patrimônio do contribuinte, patrimônio esse que esteve de posse do sujeito ativo da obrigação tributária, caracterizando-se, portanto, como danos emergentes. E, quando o Contribuinte é obrigado a recolher valores que, posteriormente, tornam-se indevidos, a devolução é acrescida da taxa SELIC por expressa previsão legal.

Deste modo, independentemente se os valores atualizados pela taxa SELIC decorrem ou não de cobrança indevida pelo Fisco, eles não se sujeitam à tributação pelo IRPJ e pela CSLL.

Portanto, é totalmente improcedente a alegação da União em seus aclaratórios de que as razões de decidir do Tema 962 não seriam aplicáveis nas devoluções de tributos que não foram declarados como indevidos pelo Fisco ou pelo Poder Judiciário.

Como se vê, o campo de aplicação da tese firmada pelo STF em sede de repercussão geral é mais amplo do que insinua a Fazenda Nacional.

A divergência sobre a abrangência do julgado gera um cenário de incerteza jurídica aos contribuintes, pois estão à mercê do entendimento da fiscalização tributária, que pode lavrar autuações fiscais e transferir ao sujeito passivo o ônus de se defender.

Espera-se que a Receita Federal trace orientações claras aos seus servidores para evitar formação de correntes interpretativas limitadoras à aplicação do Tema 962, de sorte a evitar litígios desnecessários, trazendo mais segurança e racionalidade ao processo tributário.

 

Milena Bianchin Arcari
Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto

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