Da exclusão do IPI não recuperável da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos
Os efeitos do julgamento do Tema 69 da repercussão geral, popularmente conhecido como a “tese do século”, em que o STF declarou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, ainda causam calorosas disputas entre Fisco e contribuintes.
Recentemente, a saga ganhou um novo capítulo.
No final do ano de 2022, a Receita Federal editou a Instrução Normativa RFB nº 2.121/2022, com o objetivo de consolidar as normas sobre a apuração, cobrança, fiscalização, arrecadação e administração das contribuições ao PIS e à COFINS, em uma tentativa de adequar seus regulamentos ao polêmico julgamento, mas que não passou despercebida pelos contribuintes, diante da imposição de restrições ilegais e ilegítimas a créditos previstos em lei.
Uma dessas restrições é a exclusão do IPI não recuperável da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos, contida no artigo 170, II, da IN RFB nº 2.121/2022, que dispunha o seguinte:
Art. 170. As parcelas do valor de aquisição dos itens não sujeitas ao pagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não geram direito a crédito, tais como (Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, § 2º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 37; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, § 2º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 21; e Acórdão em Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 574.706):
…
II – o IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor;
O caput do artigo 170 da IN RFB nº 2.121/2022 foi revogado pela mais recente IN RFB nº 2.152/2023, de 14/07/2023, mas a exclusão do IPI não recuperável da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos, inaugurada pela IN de 2022, foi mantida pela nova IN, publicada em 18/07/2023:
Art. 169. Os créditos de que trata esta Seção serão determinados mediante a aplicação, sobre a sua base de cálculo, dos percentuais de (Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, § 1º, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 37; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, § 1º, e art. 15, inciso II, com redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004, art. 26):
I – 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento), para os créditos da Contribuição para o PIS/Pasep; e
II – 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), para os créditos da Cofins.
Art. 171. Para efeito de cálculo dos créditos de que trata esta Seção, integram o valor de aquisição: (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 2152, de 14 de julho de 2023)
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Parágrafo único. Não geram direito a crédito: (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 2152, de 14 de julho de 2023)
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III – o IPI incidente na venda pelo fornecedor. (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 2152, de 14 de julho de 2023)
Na ânsia de evitar, a todo custo, a diminuição da arrecadação fazendária, a Receita Federal inaugurou restrição não prevista em lei.
Isso porque, o artigo 3º, I e § 1º, I, das Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003 determina expressamente que a base de cálculos dos créditos de PIS e COFINS será o valor do bem adquirido, assim entendido como seu custo de aquisição.
O Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) nº 16, que rege a forma como os contribuintes registram suas operações na contabilidade, estabelece que “O custo de aquisição dos estoques compreende o preço de compra, os impostos de importação e outros tributos (exceto os recuperáveis junto ao fisco) …” (grifou-se).
Na mesma linha, o Regulamento do Imposto de Renda dispõe, no artigo 301, §§ 1º e 3º, que os tributos devidos na aquisição ou na importação compõem o custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda, exceto os impostos recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal.
Os impostos recuperáveis são aqueles que incidem em determinada etapa da cadeia de comercialização da mercadoria e podem ser compensados na etapa subsequente, quando o adquirente, por também ser contribuinte do imposto, promover nova operação tributada.
Nos casos em que os contribuintes praticam a revenda a consumidor final, não ocorre novo fato gerador do IPI e, portanto, não figuram como contribuintes do imposto federal. Nessas operações, o IPI incidente na entrada da mercadoria que será revendida torna-se irrecuperável, pois não haverá operação subsequente que permita utilizá-lo para compensação.
Dessa forma, o IPI não recuperável compõe o custo de aquisição da mercadoria a ser revendida e, portanto, compõe a base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos, nos termos da lei.
O entendimento atual da RFB contraria orientação anterior do próprio Fisco Federal.
O artigo 167, II, da IN RFB nº 1.911/2021 previa que o IPI incidente na entrada de mercadorias, quando não recuperável, integrava o valor da aquisição, para efeito de cálculo dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos decorrentes da compra de insumos, bens para revenda ou bens destinados ao ativo imobilizado.
No mesmo sentido, seguiu a Solução de Consulta nº 579/2017, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que possui efeito vinculante em relação aos auditores fiscais e aos contribuintes de todo o país.
Além disso, a nota 09 da pergunta 038 do Capítulo XXII do “Perguntas e Respostas – Pessoa Jurídica 2022”, disponível no sítio eletrônico da RFB, orienta expressamente que o IPI incidente na aquisição, quando não recuperável, integra o valor de aquisição dos bens.
Não houve qualquer alteração na legislação tributária que motivasse a mudança abrupta do posicionamento fazendário.
A MP nº 1.159/2023, publicada em 12/01/2023, determinou a exclusão do valor do ICMS incidente sobre a operação de aquisição da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos.
Embora seu prazo de vigência tenha encerrado em 01/06/2023, a Lei nº 14.592/2023 convalidou os atos praticados com base na referida MP e manteve a vedação à apuração de créditos de PIS e COFINS sobre o valor do ICMS que incidiu sobre a operação de aquisição.
No entanto, o mesmo não ocorreu para o IPI, pois não foi editada lei prevendo sua respectiva exclusão da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos.
Os artigos 5º, II, e 37 da Constituição Federal de 1988 determinam que cabe à Administração Pública fazer apenas aquilo que está previsto em lei. Já os Administrados somente serão obrigados a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Em outras palavras, se não há lei determinando a exclusão do IPI não recuperável da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS, não pode a Fazenda Pública exigir dos contribuintes a sua exclusão via ato infralegal.
Nitidamente, a IN RFB nº 2.121/2022 e a IN RFB nº 2.152/2023 extrapolaram os limites do princípio da legalidade ao determinarem a exclusão do IPI do custo de aquisição (base de cálculo) para fins de apuração dos créditos de PIS e de COFINS.
Isso implica na majoração das referidas contribuições sociais, pois reduz a quantidade de créditos de PIS e de COFINS disponíveis para os revendedores, aumenta o custo dos produtos e prejudica a competitividade das empresas.
A jurisprudência dos tribunais pátrios superiores é uníssona no sentido de que as Instruções Normativas, que possuem função exclusivamente regulamentadora, não possuem a prerrogativa de extrapolar as previsões da Lei, sendo estritamente vedada a inovação no ordenamento jurídico.
Ademais, a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias, como diz o artigo 110 do Código Tributário Nacional.
Há, portanto, subsídios para os contribuintes buscarem o Judiciário para combater a ilegal determinação contida na IN RFB nº 2.121/2022, mantida pela IN RFB nº 2.152/2023.
Camila Zavistanovicz e Suelem Salette Padilha