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29/03/2021

Dedução em dobro dos custos com o PAT do lucro tributável pelo IRPJ

O artigo 1º da Lei nº 6.321/1976 permite a dedução, do lucro tributável pelo IRPJ, do dobro dos custos com o PAT comprovadamente realizados no período base de apuração do imposto:

Art 1º As pessoas jurídicas poderão deduzir, do lucro tributável para fins do imposto sobre a renda o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base, em programas de alimentação do trabalhador, previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho na forma em que dispuser o Regulamento desta Lei.

§ 1º A dedução a que se refere o caput deste artigo não poderá exceder em cada exercício financeiro, isoladamente, a 5% (cinco por cento) e cumulativamente com a dedução de que trata a Lei nº 6.297, de 15 de dezembro de 1975, a 10% (dez por cento) do lucro tributável.

§ 2º As despesas não deduzidas no exercício financeiro correspondente poderão ser transferidas para dedução nos dois exercícios financeiros subsequentes.

Com as alterações promovidas pela Lei nº 9.532/1997, o limite previsto no § 1º passou de 5% do lucro tributável para 4% do imposto devido.

Ocorre que as normas infralegais posteriormente editadas para auxiliar a Administração na execução da lei (Decretos nos 5/1991, 3.000/1999 e 9.580/2018, bem como as Instruções Normativas SRF/RFB nos 267/2002, 1.515/2014 e 1.700/2017) alteraram a forma de cálculo do IRPJ, fazendo com que, ao invés de deduzir o valor do incentivo do lucro tributável, como determina a lei, determinaram que o resultado da aplicação da alíquota do IRPJ sobre os custos com o PAT sejam deduzidos diretamente do imposto de renda devido, em total descompasso com o disposto na Lei nº 6.321/1976.

Dessa forma, a dedução opera não sobre a base de cálculo do IRPJ, mas sobre o imposto já apurado. Consequentemente, o adicional de 10% passou a incidir sobre base de cálculo que não considera a dedução em dobro dos gastos com o PAT.

Não bastasse isso, o artigo 2º, § 2º, da Instrução Normativa SRF nº 267/2002 estabelece limites à dedução relacionados ao valor das refeições fornecidas aos funcionários no âmbito do PAT, o que não encontra amparo na lei ou nos decretos supramencionados.

Os contribuintes têm recorrido ao Poder Judiciário argumentando que os atos infralegais extrapolaram seu poder de regulamentar a Lei nº 6.321/1976, a qual se encontra plenamente vigente, e acabam por majorar o imposto de renda devido pelas pessoas jurídicas, em total ofensa aos princípios da legalidade, da hierarquia das normas, da separação dos poderes e da segurança jurídica.

A União Federal, por sua vez, alega, em suma, que leis posteriores à edição da Lei nº 6.321/1976 alteraram a forma de cálculo da dedução dos custos com o PAT, com o que, a base para cálculo passou a ser o imposto devido e não mais o lucro tributável pelo IRPJ.

Argumenta, ainda, que na apuração da dedução do PAT, não deve ser considerada a parcela adicional do imposto de renda, face à vedação contida no art. 5º da Lei nº 9.532/1997 e no art. 3º, § 4º, da Lei nº 9.249/1995, que assim dispõem:

Lei nº 9.532/1997:

Art. 5º A dedução do imposto de renda relativa aos incentivos fiscais previstos no art. 1º da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, no art. 26 da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, e no inciso I do art. 4º da Lei nº 8.661, de 1993, não poderá exceder, quando considerados isoladamente, a quatro por cento do imposto de renda devido, observado o disposto no § 4º do art. 3º da Lei nº 9.249, de 1995. (Grifou-se)

Lei nº 9.249/1995:

Art. 3º (…)

§ 4º O valor do adicional será recolhido integralmente, não sendo permitidas quaisquer deduções. (Grifou-se)

Os Tribunais Pátrios têm rechaçado os argumentos deduzidos pela Fazenda Nacional e se mostrado favoráveis à tese dos contribuintes.

O Superior Tribunal de Justiça entende que a dedução dos custos com o PAT deve ser realizada sobre o lucro tributável e não sobre o imposto de renda devido, o que não viola o artigo 3º, § 4º, da Lei nº 9.249/1995, já que a redução se dá antes do cálculo do adicional do IRPJ. Reconhece que a Lei nº 6.321/1976 continua vigente e que a forma de cálculo nela prevista não foi alterada por leis posteriores.

É o que se extrai da seguinte ementa:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR – PAT. ART. 1º. DA LEI 6.321/1976. FORMA DE CÁLCULO. DEDUÇÃO SOBRE O LUCRO TRIBUTÁVEL DA EMPRESA E NÃO SOBRE O IMPOSTO DE RENDA DEVIDO. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL NÃO PROVIDO.

1. As Turmas de Direito Público desta Corte, analisando todos os dispositivos legais pertinentes, consolidou o entendimento de que os benefícios concedidos por meio das Leis 6.297/75 e 6.321/73 devem ser aplicados ao adicional de imposto de renda, em que, primeiramente, deve haver a dedução sobre o lucro da empresa, resultando no lucro real, e, sobre este último, deverá ser calculado aquele adicional (AgInt no REsp. 1.491.935/RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 21.5.2020; AgInt no REsp. 1.747.097/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 25.9.2019; AgInt no REsp. 1.462.963/PE, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 9.8.2019; e AgInt no AREsp. 1.359.814/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 19.2.2019).

2. O posicionamento deste STJ está calcado no fato de que em nenhum momento a legislação posterior alterou essa forma de cálculo. Isto porque o art. 3º, § 4º, da Lei n. 9.249/95 incide em um momento contábil posterior ao de incidência do incentivo. Dito de outra forma, se o incentivo reduz o Lucro Real e esse mesmo Lucro Real já reduzido é a base de cálculo do adicional do IRPJ, então indiretamente o incentivo reflete nesse adicional reduzindo-o.

Veja-se que não se trata de dedução vedada pelo referido art. 3º, §4º, da Lei n. 9.249/95, pois esta se daria em momento posterior ao cálculo do adicional do IRPJ e a redução aqui concedida se dá antes do cálculo do adicional do IRPJ. Desse modo, não resta violado o art. 3º, §4º, da Lei n. 9.249/95 (AgInt no REsp. 1.695.806/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 14.8.2018).

3. Agravo Interno da FAZENDA NACIONAL não provido. (Grifou-se) (AgInt no REsp 1833178/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 18/12/2020).

A Corte Superior também reconheceu a ilegalidade da Instrução Normativa SRF nº 267/2002, por extrapolar seu poder regulamentar ao fixar custos máximos para as refeições individuais oferecidas pelo PAT:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. IMPOSTO DE RENDA. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR. ILEGALIDADE DA PORTARIA INTERMINISTERIAL 326/1977 E DA INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF 267/2002 DIANTE DA LEI 6.321/1976. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DETERMINADOS NA SENTENÇA E MODIFICADOS NO ACÓRDÃO. NOVA DETERMINAÇÃO DO CPC DE 2015. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM.

(…)

6. A jurisprudência deste STJ já está firmada no sentido de que a Portaria Interministerial n.º 326/77 e a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n.º 267/02 estabeleceram limitações ilegais não previstas na Lei 6.321/76, no Decreto n.º 78.676/76 ou no Decreto n. 5/91, quanto à condição de gozo do incentivo fiscal relativo ao PAT, quando fixaram custos máximos para as refeições individuais oferecidas pelo programa. Precedentes: REsp 157.990/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJU de 17.05.04; REsp 990.313/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 06.03.08; AgRg no REsp 1240144/ RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 15.05.2012″ (REsp 1.217.646/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 25/6/2013, DJe 1º/7/2013). (…) (Grifou-se) (REsp 1.662.728/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 12/09/2017).

Há precedentes dos Tribunais Regionais Federais da 3ª e 4ª Regiões que adotam o entendimento do STJ e reconhecem a ilegalidade dos Decretos nos 5/1991, 3.000/1999 e 9.580/2018, bem como da Instrução Normativa SRF nº 267/2002. Entendem que a dedução em dobro dos custos com o PAT do lucro tributável pelo IRPJ não viola o disposto no artigo 3º, § 4º, da Lei Federal nº 9.249/1995, pois não ocorre deduções sobre o valor do adicional. Confira-se dos seguintes julgados:

DIREITO TRIBUTÁRIO. PAT – PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR. LEI 6.321/1976. CÁLCULO. BENEFÍCIO FISCAL. DEDUÇÃO DE DESPESAS. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. NORMAS INFRALEGAIS. INDEVIDA INOVAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA. ADICIONAL DE 10%. PRECEDENTES.

1. Os Decretos 78.676/1976, 05/1991 e 3.000/1999, editados com objetivo de regulamentar o benefício fiscal, extrapolaram os limites legais, ao alterarem a forma de dedução dos custos do PAT, fazendo incidir o desconto diretamente sobre o imposto de renda devido, e não sobre o “lucro tributável”, conforme previsto na Lei 6.321/1976, gerando majoração do IRPJ devido através de normas infralegais, violando o princípio da estrita legalidade (artigos 150, I, CF, e 97, CTN).

2. Igualmente, ofendem o princípio da estrita legalidade a Portaria Interministerial 326/1977 e a IN RFB 267/2002, pois estabeleceram custos máximos das refeições individuais dos trabalhadores para fins de cálculo da dedução do PAT, inovando as regras da própria Lei 6.321/1976.

3. Reconhecido o indébito fiscal, os valores podem ser compensados, na via administrativa, em procedimento específico, inclusive com a própria comprovação e liquidação do montante indevido a ser ressarcido, conforme os critérios definidos nos artigos 168 (prescrição quinquenal) e 170-A (trânsito em julgado), ambos do Código Tributário Nacional; artigo 74 da Lei 9.430/1996 e demais textos legais de regência, observado o regime legal vigente ao tempo da propositura da ação, pois este o critério determinante na jurisprudência consolidada, ainda que posteriormente possa ter sido alterada a legislação.

4. Quanto ao momento de incidência dos benefícios fiscais das Leis 6.297/1975 e 6.321/1976, assentou o Superior Tribunal de Justiça que, em primeiro lugar, há dedução sobre o lucro da empresa, resultando no lucro real, e sobre esta base econômica deve ser calculado o adicional.Colhe-se de tal precedente que a redução da base de cálculo reflete, indiretamente, na redução do respectivo adicional, o que é admitido pela legislação, sendo, ademais, compatível com o artigo 3º, §4º da Lei 9.249/1995, pois não há dedução diretamente da alíquota adicional de 10%.

5. Apelação do contribuinte provida, apelação fazendária e remessa oficial desprovidas. (Grifou-se) (Tribunal Regional Federal da 3ª Região. AC nº 5004911-16.2018.4.03.6144, Relator Desembargador Federal Luis Carlos Hiroki Muta, 3ª Turma, julgado em 22/02/2021)

 

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. EFICÁCIA DA SENTENÇA. DELIMITAÇÃO TERRITORIAL. SUSPENSÃO DAS AÇÕES INDIVIDUAIS.  PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR – PAT. SISTEMÁTICA DE APURAÇÃO DO INCENTIVO FISCAL. DEDUÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL. LEI Nº 6.321, DE 1976. LEI 9.532/97. LEI 9.249/95. ART. 3º, §4º.

(…)

3. Os contribuintes do IRPJ tem o direito de apurar o incentivo com o PAT independentemente do valor da refeição fixado em atos normativos da RFB.

4. A lei assegura aos contribuintes inscritos no PAT o direito de deduzir diretamente do lucro tributável o dobro das despesas com o programa de alimentação, desde que não ultrapasse a 4% do imposto devido.

5. Mantida a sentença que assegurou a compensação dos valores indevidamente pagos, após o trânsito em julgado, nos termos do art. 74 da Lei 9.430/96, observando-se a prescrição quinquenal do art. 3º da LC 104/01. (Grifou-se) (Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AC nº 5008738-90.2017.4.04.7001, Relator Juiz Federal Alexandre Rossato Da Silva Ávila, 2ª Turma, juntado aos autos em 25/11/2020).

No entanto, há também decisões contrárias à tese dos contribuintes no âmbito do TRF da 4ª Região, como, por exemplo, o julgado ementado abaixo:

IMPOSTO DE RENDA. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR – PAT. SISTEMÁTICA DE APURAÇÃO DO INCENTIVO FISCAL. LEI Nº 6.321, DE 1976. LEI 9.532/97. DECRETOS REGULAMENTARES. LEGALIDADE. LEIS Nº 8.849/94, 9.249/95 E 9.532/95.

1. Não há ilegalidade na previsão, feita pelos decretos que regulamentam a matéria, de que osvalores relativos ao Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, sejam deduzidos diretamente do imposto de renda devido, pois apenas conferiram precisão tributária ao comando do art. 1º da Lei nº. 6.321, de 1976, havendo posterior confirmação pelas Leis nºs. 8.849/94, 9.249/95 e 9.532/97. Precedentes deste Regional.

2. A dedução deve ser efetuada diretamente do IRPJ e não do lucro tributável. (Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AC nº 5016350-20.2015.4.04.7205/SC, Relator Juiz Federal Alexandre Gonçalves Lippel, 1ª Turma, julgado em 16/12/2020).

Mesmo não se tratando de matéria pacificada perante os Tribunais, os contribuintes podem ingressar com ações perante o Poder Judiciário para garantir o seu direito de deduzir, do lucro tributável pelo IRPJ, o dobro dos custos com o PAT.

 

Escrito por: Suelem Salette Padilha

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