Exclusão do ICMS do PIS/COFINS: Contribuintes que têm decisão judicial transitada em julgado precisam se preocupar com eventual modulação da decisão no RE 574.706?
Opinião da Queiroz Miotto Advogados
Recebemos questionamentos de clientes sobre uma situação futura e incerta, mas tamanha a relevância dos seus efeitos, que decidimos publicar nossa opinião. Eis a pergunta:
Como fica a situação das empresas que têm decisão judicial transitada em julgado garantindo-lhes o direito de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, caso o STF acate o extravagante pedido de modulação deduzido pela União Federal nos embargos de declaração no RE 574.706, admitido como paradigma sob o manto da repercussão geral?
Com embargos de declaração opostos no RE 574.706, entre outras, a União tem a pretensão de que o STF:
- defina que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS é aquele efetivamente recolhido pelo contribuinte, ou seja, deduzidos os créditos do imposto auferidos na entrada de mercadorias e
- module os efeitos da decisão com repercussão geral para que produza efeitos prospectivos, somente depois do julgamento dos citados embargos. Ou seja, seria vedada a devolução dos valores recolhidos indevidamente até o julgamento dos embargos.
Inicialmente, é relevante destacar que partilhamos da opinião de que não seria o caso de modular os efeitos da decisão, por diversos motivos.
Dentre eles, porque não houve uma guinada jurisprudencial ou quebra de segurança jurídica que requeira a modulação (como previsto no art. 535, § 6º, e art. 927, § 3º, do CPC/2015), pois o STF já julgou a tese de forma favorável aos contribuintes anteriormente. Ainda, porque interesses arrecadatórios não deveriam justificar a modulação e representaria “negar ao contribuinte o próprio direito de repetir o indébito de valores que eventualmente tenham sido recolhidos”, como já decidiu o próprio STF (RE 595.838 ED).
Ademais, Fazenda Nacional vem insistentemente postulando a suspensão de todos os processos sobre o tema, em prol da segurança jurídica. No entanto, esse pedido vem sendo rechaçado, o que, a nosso ver, é um indicativo de que a decisão em repercussão geral deve ter aplicação imediata.
No entanto, caso o pedido de modulação formulado pela PGFN seja deferido, como fica a situação daqueles que possuem decisão judicial transitada em julgado permitindo a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS?
Há quem entenda que a decisão do STF nos embargos de declaração não pode afetar a coisa julgada. Entretanto, considerando posicionamentos pretéritos da Suprema Corte, consideramos que não há garantias nem mesmo para aqueles cujos processos já se findaram. É o que demonstramos na sequência.
Atualmente, não há uma resposta certa para a pergunta, mas há algumas variáveis que os contribuintes nesta situação devem ter em mente, considerando os sérios e catastróficos efeitos que poderiam resultar na eventual obrigação de devolver ao Fisco o valor do crédito aproveitado antes da modulação.
Embora existam opiniões divergentes, há um risco concreto de que sejam atribuídos efeitos prospectivos à decisão que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Caso haja a modulação, tal qual postulada pela Fazenda, esperamos que o STF esclareça de antemão como fica a situação dos contribuintes que têm decisão judicial transitada em julgado assegurando a repetição do indébito, assim como fez no julgamento dos embargos de declaração no RE 638.115.
Neste recurso (RE 638.115), o STF julgou inconstitucional a incorporação dos quintos à remuneração dos servidores públicos, mas modulou os efeitos da decisão para que os servidores não tivessem que devolver valores recebidos de boa-fé.
Nos embargos de declaração julgados em 2017, a Corte entendeu, com relação aos casos em que as vantagens foram incorporadas aos salários dos servidores por decisão judicial transitada em julgado, seria desnecessário ajuizar ação rescisória para cessar os efeitos prospectivos da sua decisão. Ou seja, a força da coisa julgada em ação individual cessaria seus efeitos futuros automaticamente por conta da tese firmada em repercussão geral.
Ao julgar novos embargos nestes autos, em 12/2019, a Corte Suprema mudou de opinião, “para reconhecer indevida a cessação imediata do pagamento dos quintos quando fundado em decisão judicial transitada em julgado” (extraído da ata de julgamento).
Há outras fórmulas para modulação já adotadas pelo STF.
No julgamento do RE 556.664, em que reconheceu que o prazo prescricional para a cobrança de dívidas de contribuições previdenciárias seria quinquenal e não decenal como defendia a União, atribuiu efeitos ex nunc à decisão, apenas em relação às eventuais repetições de indébito ajuizadas após a data do julgamento. Ou seja, a modulação preservou o direito daqueles que já haviam controvertido a matéria e afastou o ajuizamento de novas ações.
Mas, e se o STF não disciplinar a situação daqueles com decisão favorável?
Infelizmente, seria instaurado um cenário de completa insegurança jurídica, pois a legislação não esclarece de forma satisfatória como ficaria sua situação.
Neste caso, é possível (ou até provável) que a Fazenda Nacional ajuíze ações rescisórias, com amparo no art. 535 do CPC, parágrafo 5º e seguintes, que considera inexigível o título executivo judicial fundado “em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso”.
Segundo o referido dispositivo legal, o prazo bienal para a rescisória será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja, a rigor, nem mesmo aqueles contribuintes que possuem decisão judicial transitada em julgado há mais de dois anos estariam inequivocamente a salvo dos nefastos efeitos da modulação.
Eventual rescisória poderá versar também sobre critério de cálculo, caso o STF defina que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS é aquele efetivamente recolhido pelo contribuinte, para aqueles que tiverem decisão em sentido diverso.
A Receita Federal também não deverá se quedar inerte. Poderá, inclusive, editar norma regulamentares disciplinando a situação.
Os contribuintes certamente terão uma série de argumentos de defesa em eventual rescisória (como a não aplicação do art. 535 do CPC ao caso, ofensa à súmula 343 do STF, impossibilidade de ajuizar rescisória para obter efeitos decorrentes da modulação, dentre outros). No entanto, não ousamos antecipar o desfecho desta eventual e nova batalha.
Como se vê, o resultado dessa disputa é incerto. Não é possível precisar se haverá modulação e nem os efeitos dela àqueles que já obtiveram êxito no judiciário.
Nosso objetivo é apenas alertar o gestor da existência da possibilidade, ainda que remota, de eventualmente ter que devolver valores ao Fisco, decorrentes do aproveitamento de créditos assegurados por decisão judicial transitada em julgado, os quais poderão ser considerados indevidos.
Infelizmente, não se pode descartar essa possibilidade.
Nossa opinião (e não nossa recomendação):
Como o advento desta situação catastrófica é extremamente incerto, embora cientes dessa eventualidade, ainda não o consideramos como um cenário apto a motivar o reconhecimento contábil dessa variável (contingenciamento), tampouco o não aproveitamento dos créditos assegurados judicialmente, salvo particularidades da empresa.
Entendemos que seria o caso, ao menos por enquanto, de reportar essa variável a administradores, superiores hierárquicos, controladores, enfim, àqueles que suportarão os reflexos da eventual alteração da condição atual, para que saibam que podem ter uma situação delicada ou até mesmo uma futura baixa orçamentária para lidar (caso o direito creditório não tenha sido integralmente aproveitado).
É preciso ter em mente, também, que o excesso de conservadorismo não tem se mostrado vantajoso aos contribuintes, diante dos “remédios” criados pelo Executivo e Legislativo em situações similares.
Como exemplo, cita-se o parcelamento da MP 470/2009, instituído para regularizar a situação daqueles que compensaram créditos controversos de IPI, com diversos benefícios (redução de multa e juros e mediante compensação de prejuízos fiscais).
Outro caso digno de registro é o do Funrural. Mesmo depois da edição de programas de regularização fiscal com diversos benefícios aos seus optantes, ainda se discute a possibilidade de remissão (perdão) de dívidas do Funrural, não recolhido por empresas que acreditaram que a contribuição seria afastada pelo STF.
Em regra, as remissões e anistias criadas pelo legislativo beneficiam apenas o contribuinte mais arrojado, que fruiu dos créditos controvertidos (é o caso dos créditos de ICMS da guerra fiscal – LC nº 160, art. 5º).
O cenário concreto atual é que nada impede o aproveitamento do indébito assegurado por decisão judicial transitada em julgado, ao menos com relação ao valor do ICMS efetivamente recolhido, critério defendido pela Receita Federal (disciplinado na Instrução Normativa RFB nº 1.911/2019, art. 27).
Por outro lado, os contribuintes devem permanecer atentos, pois a palavra final sobre o assunto poderá ser dada pelo STF, que poderá alterar drasticamente o contexto delineado atualmente.
Escrito por: Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto