Os royalties e a possibilidade de apurar créditos de PIS e COFINS não cumulativos
Inúmeras são as dificuldades encontradas, tanto por empresários brasileiros quanto por profissionais que atuam na área contábil/tributária, ao interpretar as normas que disciplinam as aquisições que dão direito a créditos de PIS e COFINS não cumulativos.
As Leis nos 10.637/2002 e 10.833/2003, que dispõem sobre a não cumulatividade do PIS e da COFINS, estabelecem a possibilidade de pessoas jurídicas descontarem créditos das contribuições calculados em relação a bens e serviços quando utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda (art. 3º, II, da Lei nº 10.637/2002 e Art. 3º, II, da Lei nº 10.833/2003).
Mas e quando não se trata de um bem corpóreo integrado ao produto ou de um “serviço” propriamente dito, ainda assim há a possibilidade de enquadramento no conceito de insumo?
De fato, há casos em que o item adquirido não é exatamente um bem corpóreo e também não pode ser considerado propriamente um serviço. Um exemplo prático e muito comum entre empresas dos mais diversos segmentos são os valores pagos a título de royalties.
O termo royalty é utilizado para designar a contraprestação paga ao proprietário pelo direito de uso, exploração ou comercialização de algo que é seu de direito.
Esse conceito, inclusive, foi aceito pela legislação do Imposto de Renda, mais precisamente o art. 22 da Lei nº 4.506, de 1964, que classifica como royalties “os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como: […] c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio; d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra”.
Ainda que os royalties não sejam, de fato, bens móveis, é possível considerá-los como tal para efeitos legais (inciso III, do artigo 83 do Código Civil), aplicando-lhes a disciplina legal destinada aos bens móveis.
Esta equiparação legal dos royalties aos bens móveis implica importante consequência na esfera tributária, notadamente quando se analisa o direito de créditos de PIS e COFINS não cumulativos sobre insumos.
Consoante já mencionado, as Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03, ao disporem sobre as hipóteses em que é permitido desconto de créditos das contribuições em decorrência da não cumulatividade (art. 3º), elegeram, dentre outras, a aquisição de bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços ou na fabricação ou produção de bens e produtos destinados à venda.
Na visão do fisco, antes de avaliar se seriam insumos, seria preciso perquirir se os royalties poderiam ser considerados como bens ou serviços. Com o que, se considerados estritamente como dispêndios incorridos em contraprestação ao uso, fruição, exploração e/ou comercialização de direitos, os royalties pagos aos proprietários de tais direitos não gerariam direito ao crédito de PIS e COFINS não cumulativos.
Este foi o entendimento exarado pela Coordenação-Geral de Tributação – COSIT da RFB, que ao proferir a Solução de Consulta COSIT nº 116/2021, concluiu o seguinte:
CRÉDITOS. ROYALTIES. CONTRATO DE FRANQUIA. IMPOSSIBILIDADE.
Os dispêndios pagos a título de royalties pela franqueada à franqueadora não são considerados decorrentes da aquisição de bens ou de serviços, e por conseguinte, não podem ser tratados como insumos para efeitos da apuração de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep. Tais valores não podem gerar para a pessoa jurídica sujeita à incidência não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep, créditos dessa contribuição nos termos do inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002. … (Grifou-se)
(BRASIL. RECEITA FEDERAL. Solução de Consulta COSIT nº 116, de 16 de julho de 2021. Publicada no DOU de 20 jul. 2021, seção 1, página 42. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/anexoOutros.action?idArquivoBinario=61851>)
A COSIT entendeu que “os royalties não podem ser caracterizados como decorrentes de serviços prestados, tendo em vista que ‘não se visualiza a presença da obrigação de fazer’”. Concluiu, outrossim, que não podem (os royalties) ser considerados decorrentes de aquisição de bens, eis que correspondem ao “valor que deve ser pago a quem detém os direitos de propriedade sobre um bem, em troca do direito de uso, fruição ou exploração desse”.
Ou seja, sob a perspectiva da caracterização dos royalties como insumo, entende o fisco não ser possível o desconto de créditos de PIS e COFINS porque eles, os royalties, não são serviços e não correspondem à “aquisição de bens”, não concretizando, portanto, as hipóteses que asseguram o direito de crédito previstas no art. 3º, II, das Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03.
O entendimento exarado pela COSIT/RFB na Solução de Consulta mencionada não prospera.
Quanto ao enquadramento de determinada aquisição como insumo, sabe-se que o Superior Tribunal de Justiça decidiu, sob o rito dos recursos repetitivos (Recurso Especial nº 1.221.170/PR), que, para verificar se um bem é ou não insumo, deve-se observar sua relevância ou essencialidade ao processo produtivo de bens ou à prestação de serviços.
Inclusive, a Receita Federal do Brasil já incorporou esse entendimento às suas normas. No artigo 176 da Instrução Normativa RFB nº 2.121/2022, consta que “consideram-se insumos, os bens ou serviços considerados essenciais ou relevantes para o processo de produção ou fabricação de bens destinados à venda ou de prestação de serviços”.
Portanto, o primeiro elemento a determinar se os valores pagos a título de royalties ensejarão ou não o desconto de créditos de PIS e COFINS consiste em certificar se são relevantes ou essenciais ao processo produtivo de bens ou à prestação de serviços, a ponto de poderem ser classificados como insumos.
O segundo elemento reside em saber se de fato os royalties podem ser classificados como bens móveis para fins de creditamento de PIS e COFINS.
Inicialmente, cumpre salientar que a IN RFB nº 2.121/2022, no § 4º do artigo nº 176 considera “bem, não só produtos e mercadorias, mas também os intangíveis” (grifou-se).
Portanto, uma vez considerados os royalties como bens móveis, ainda que por equiparação legal, nos termos do art. 83 do Código Civil, não há problema no fato de serem eles intangíveis ou incorpóreos.
Na Solução de Consulta COSIT nº 116/2021, a autoridade fiscal traz um terceiro elemento, no sentido de que, no caso das franquias, os royalties não poderiam ser classificados como “aquisição de bens”.
Ora, se a contraprestação paga pelos franqueados não for pela aquisição do conjunto de bens (ainda que intangíveis) que compõem a propriedade intelectual da franqueadora e que são itens essenciais para o desenvolvimento da sua atividade, pelo que seria? Neste aspecto, a impressão que fica é que a autoridade fiscal buscou fundamentos para justificar seu entendimento restritivo e nada mais.
A esta altura, já é possível perceber que a matéria é polêmica e desperta posições antagônicas entre fisco e contribuintes.
A recomendação, como de costume, é que cada contribuinte avalie seu caso concreto, considere suas características, particularidades e políticas fiscais e tributárias, a fim de decidir o tratamento que dará aos royalties que paga em sua atividade.
Isso porque, embora esteja claro, em muitos casos, que os royalties pagos são essenciais e relevantes ao seu processo produtivo de bens ou serviços, nada impede que o fisco levante teses como a da Solução de Consulta retro, no sentido de que embora possa ser considerado um bem móvel, os valores pagos a título de royalties não seriam “aquisições de bens”.
Estas interpretações fiscais restritivas são relativamente comuns e implicam embates com os contribuintes no âmbito do contencioso tributário.
Tanto que o tema já foi levado à apreciação da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF (que julga as lides travadas pelos contribuintes na esfera administrativa federal), ocasião em que se manifestou em sentido favorável aos contribuintes em caso que envolvia o creditamento sobre royalties pagos pela transferência de tecnologia (know-how) de matriz situada no exterior à filial sediada no Brasil, por ser essencial ao processo produtivo da pessoa jurídica (Acórdão nº 9303-010.248. CSRF/Terceira Turma. Sessão de 11 mar. 2020).
Na esfera judicial, também há controvérsia.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já proferiu decisões favoráveis e contrárias à possibilidade de apurar créditos de PIS e COFINS não cumulativos sobre despesas com royalties à luz do conceito de insumos firmado pelo STJ em recurso repetitivo. Observa-se, por exemplo, as seguintes ementas:
REEXAME DE RECURSO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II DO NCPC. TRIBUTÁRIO. PIS/COFINS. NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO. CONCEITO DE INSUMOS. RECURSO REPETITIVO. RESP. Nº 1.221.170/PR DO STJ.
…
4. Os royalties/direitos autorais despendidos pela impetrante são elementos que se agregam ao processo produtivo, pois se referem ao custo de propriedades intelectuais que contribuem para a formação dos produtos e, por consequência, permite seu enquadramento no conceito de insumo e o reconhecimento do seu direito aos créditos de PIS e COFINS. (Grifou-se)
(BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão na Apelação Cível nº 5002496-44.2010.4.04.7201. Segunda Turma. Relator: Andrei Pitten Velloso. Julgado em: 18 dez. 2018. Disponível em: <https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&numero_gproc=40000709500&versao_gproc=6&crc_gproc=80cea2e3>)
TRIBUTÁRIO. CONCEITO DE INSUMOS PARA FINS DE CRÉDITOS DE PIS/COFINS. TEMA 779 DO STJ. ESSENCIALIDADE E RELEVÂNCIA.
1. O conceito de insumo, para fins de creditamento no regime não cumulativo do PIS e da COFINS, deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item, bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte (REsp nº 1.221.170/PR, Tema 779/STJ).
2. Caso em que, em face do Tema 779/STJ e do objeto social da requerente, afasta-se a possibilidade de creditamento de PIS/COFINS das despesas com o pagamento de royalties e fundo de propaganda. (Grifou-se)
(BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão na Apelação Cível nº 5003566-53.2020.4.04.7005. Primeira Turma. Relator: Francisco Donizete Gomes. Julgado em: 30 abr. 2021. Disponível em: <https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&numero_gproc=40002486152&versao_gproc=3&crc_gproc=fc4764b8>).
Relevante destacar que, na decisão contrária acima transcrita, os fundamentos para o indeferimento do direito creditório não residem na natureza do pagamento (o fato de ser um pagamento de royalties não foi determinante), mas sim a ausência da relevância e essencialidade da despesa.
Como se vê, a questão vem gerando debate nos âmbitos administrativo e judicial, aplicando-se entendimentos diversos a depender de cada caso concreto.
Diante da incerteza, os contribuintes podem buscar o Poder Judiciário para assegurar o seu direito ao aproveitamento de créditos de PIS e COFINS não cumulativos sobre os valores pagos a título de royalties, bem como recuperar os valores que deixaram de ser aproveitados no passado, observadas as regras prescricionais.
Alissiano Francisco Miotto
Camila Arcari Orso Baú
Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto
Suelem Salette Padilha