Queiroz Miotto – Advogados

Blog

10/06/2024

Reflexões sobre a “MP do fim do mundo”

No dia 4 de junho de 2024, foi publicada a Medida Provisória nº 1.227 que, dentre os assuntos relevantes, limitou a compensação de créditos de PIS e COFINS oriundos da não cumulatividade, dentro do pacote de medidas compensatórias da desoneração da folha de salários.

Chamada de MP do Ajuste Fiscal, pelo governo federal, a medida foi apelidada, por alguns, de MP do Fim do Mundo, dado seu potencial catastrófico para vários contribuintes.

Quanto às limitações, em resumo, a norma:

a) Vedou a compensação dos créditos de PIS e COFINS oriundos da não cumulatividade com os demais tributos administrados pela RFB. Ou seja, os créditos podem ser utilizados como moeda de pagamento para quitar exclusivamente os próprios débitos de PIS e COFINS.

O ressarcimento de créditos ainda é permitido.

b) Vedou a compensação e o ressarcimento de algumas modalidades de créditos presumidos de PIS e COFINS. Com isso, referidos créditos presumidos podem apenas ser utilizados para reduzir o montante devido das referidas contribuições.

Assim, contribuintes que antes possuíam saldos credores passíveis de serem compensados com tributos arrecadados pela Receita Federal (RFB), terão que, de uma hora para outra, utilizar de recursos financeiros para quitar seus tributos devidos.

Embora o ressarcimento, em espécie, dos créditos oriundos da não cumulatividade não tenha sido revogado, ele é incerto, pois não há prazo para ocorrer ou medidas para obrigar a União a promover o respectivo pagamento. Pelo posicionamento do governo de elevar a arrecadação, fica claro que o desembolso não está nos seus planos. A medida é ardilosa, pois a intenção do “calote” não é explícita, já que, caso fosse, atrairia de forma inequívoca a aplicação do princípio da anterioridade, dentre outras garantias constitucionais violadas.

A limitação ao ressarcimento ou à compensação constitui uma verdadeira rasteira naqueles que precificaram suas mercadorias, planejaram seus negócios e respectivos fluxos financeiros com base no cenário legislativo até então vigente, já que entra em vigor imediatamente, sem fornecer o mínimo prazo para ajuste por parte dos contribuintes, e impacta parte sensível para todos os empresários: o fluxo de caixa.

Os setores mais atingidos são os exportadores*, o agronegócio, envolvendo a cadeia de produção de alimentos (leite, carnes, cereais, café, frutas e hortícolas, etc), o farmacêutico, distribuição de combustíveis, dentre outros que não mais poderão compensar ou ressarcir em espécie créditos presumidos de PIS e COFINS.

* Antes de prosseguir, é preciso dizer que há quem defenda que os créditos normais (não os presumidos), vinculados à exportação, ainda poderiam ser compensados, pois a MP não revogou expressamente os dispositivos legais específicos que autorizam a compensação do respectivo saldo credor (art. 5º, § 1º, II, da Lei nº 10.637/2002, e art. 6º, § 1º, II, da Lei nº 10.833/2003).

Espera-se que a RFB se pronuncie expressamente sobre a sua interpretação quanto aos créditos vinculados à exportação. Na hipótese de entender aplicável a nova restrição ao crédito do exportador, como imaginamos, esses têm um forte argumento para fugir da limitação, já que não podem ter suas operações oneradas pelo PIS e pela COFINS, por força da norma imunizatória insculpida no art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal.

Interessante que os contribuintes afetados são justamente os que vendem produtos que, em outro momento, o legislador achou por bem desonerar da incidência do PIS e da COFINS.

A medida articulada pelo governo visa apenas aumentar a arrecadação de forma imediata sem, contudo, majorar diretamente a cobrança de tributos. Desta forma, o chefe do Executivo consegue, à socapa, furtar-se da aplicação de garantias constitucionais básicas, como observância do princípio da anterioridade.

Embora o valor dos tributos apurados de forma global pela empresa não sofra alterações com a medida, o impacto no caixa revela que a norma não é dotada da neutralidade que o governo defende existir.

Com isso em mente, impossível não refletir sobre a validade da Medida Provisória frente ao ordenamento jurídico pátrio.

Não nos surpreende, diante do expressivo impacto financeiro da nova norma e pelos inúmeros questionamentos trazidos pelos contribuintes, que a matéria seja judicializada pelos contribuintes – algo já esperado pelo Executivo, como revelado na coletiva de imprensa sobre as medidas compensatórias da desoneração da folha.

No passado, já desaconselhamos clientes a questionar a validade de normas que limitam a compensação, diante da baixa viabilidade econômica (pois o êxito da ação traria apenas efeito caixa, nem sempre relevante, principalmente se o contribuinte decidir aguardar o trânsito em julgado da medida para realizar a compensação), dos riscos envolvidos para os contribuintes (relacionados à compensação antes do trânsito em julgado, principalmente como no caso vertente, em que a compensação é reputada como não declarada), além da reduzida chance de êxito.

De forma geral, o judiciário tem validado as Leis que limitam a compensação tributária, pois entendem que o legislador detém competência para disciplinar o instituto como bem quiser. No entanto, pensamos que, desta vez, o chefe do executivo pode ter ido longe demais.

Há vários motivos para isso: o governo está vedando a compensação e gerando acúmulo de PIS e COFINS não cumulativos por setores incentivados, como os exportadores*, que pouco PIS e COFINS têm a recolher, justamente porque é de interesse público que não sejam onerados com o pagamento dessas contribuições.

E o pior, essa mudança abrupta no modelo de compensação invariavelmente quebra com a legítima expectativa de quitar tributos devidos à União mediante compensação e assim dar vazão aos créditos assegurados em lei em respeito à imunidade ou outro tratamento que o legislador julgou por bem desonerar da incidência do PIS e da COFINS.

É fácil perceber que os próprios fundamentos da MP que vedou a compensação já deixam claro o intento de majorar a arrecadação, o que revela que a norma deveria ter respeitado o princípio da anterioridade, no mínimo nonagesimal, por se tratar de PIS e COFINS. No entanto, o reflexo da vedação aqui abordada não se traz reflexos na arrecadação do PIS e da COFINS, já que as referidas contribuições podem ser compensadas livremente, mas dos demais tributos, tornando clara a afronta ao princípio da anterioridade anual.

Outra reflexão relevante: Os “beneficiados” com crédito presumido, caso não consigam mais dar vazão ao “incentivo”, por não terem débitos de PIS e COFINS suficientes, podem ser levados a tomar a dura decisão de deixar de fruí-los, pois não serão apenas inúteis, mas são também prejudiciais, na medida que aumentam o resultado da empresa e, com isso, majoram artificialmente a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

A maldade do governo é tanta, que ele consegue não só acabar com o fluxo de caixa do contribuinte, como também submeter o valor do “incentivo” que jamais será ressarcido, à incidência do IRPJ e da CSLL à alíquota de 34% – valor que deverá ser recolhido em espécie, a não ser que o contribuinte tenha outros créditos tributários cuja compensação ainda não foi vedada pela União Federal.

Há outros fundamentos que podem invalidar a norma aqui criticada, que ficarão para uma próxima reflexão.

Porém, é possível desde logo concluir que a medida, além de trazer insegurança jurídica, impactará no fluxo de caixa dos setores envolvidos, resultando na indispensável transferência do custo tributário aos consumidores, que novamente pagarão a conta pela falta de comprometimento do governo federal com redução de custos e com o constante ancoramento na majoração de uma já elevada carga tributária.

Os profissionais da Queiroz Miotto Advogados estão à disposição para prestar maiores esclarecimentos sobre o assunto.

 

Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto

Voltar

Compartilhe no WhatsApp
Gostou do nosso conteúdo?
Inscreva-se para receber!

Eu concordo em receber comunicações e ofertas personalizadas de acordo com meus interesses.

Ao informar seus dados, você concorda com a Política de Privacidade.

Desenvolvido por In Company