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16/08/2023

Restituição administrativa de indébito reconhecido na via judicial – Necessidade de discussão ampla e aprofundada do tema cuja repercussão geral está sendo julgada pelo STF

Em 11/08/2023 o STF deu início à análise da Repercussão Geral da seguinte discussão: “Tema 1262 – Possibilidade de restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial por mandado de segurança”. Os votos do Ministros serão computados até 21/08/2023.

No recurso extraordinário paradigma (RE 1.420.691) a Fazenda alega que o acórdão do TRF da 3ª Região, ao autorizar a restituição na esfera administrativa do indébito reconhecido na esfera judicial, ofenderia o art. 100 da Constituição Federal.

O artigo 100 da Constituição erigiu, como regra protetiva ao jurisdicionado, a determinação de que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas, em virtude de decisão judicial, serão feitos exclusivamente por ordem cronológica. É o que diz o texto constitucional:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Assim como o acórdão recorrido, a jurisprudência pátria majoritária entende que a restituição administrativa não ofende a ordem do pagamento via precatório, uma vez que não se trata de mera restituição de indébito assegurado judicialmente.

Os fundamentos desta corrente foram bem resumidos no acórdão proferido pela 1ª Turma do STJ no julgamento do AgInt no AgInt no AREsp 2.073.298/DF, finalizado em 29/08/2022:

Do que se observa, na hipótese, a declaração do direito à restituição não se equivale à alegado provimento condenatório de repetição de indébito, pois não há a quantificação dos valores a serem devolvidos, tampouco determinação de sua posterior liquidação em sede de execução judicial, a ensejar a sua quitação mediante expedição de precatório, mas sim a autorização para que a parte impetrante possa postular o recebimento de créditos dessa natureza diretamente na instância administrativa, em espécie ou mediante compensação, desde que observada a legislação de regência do ente tributante, momento em que quantum devido segundo os critérios fixados judicialmente será apurado pelas partes. (Grifou-se)

Há reiteradas decisões de ambas as Turmas que julgam matéria tributária no STJ neste mesmo sentido. É o caso dos acórdãos proferidos no AgInt no AgInt no AREsp 2165455/SP, da 2ª Turma; AgInt no REsp 1.970.575/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe de 10.8.2022; REsp 1.864.092/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 9.4.2021; AgInt no REsp 1.947.110/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, DJe 18.8.2022, dentre inúmeros.

O seguinte acórdão recente traz, de forma mais detalhada, o raciocínio adotado pela Corte Superior:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO A DECLARAÇÃO DO DIREITO À RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO NA VIA ADMINISTRATIVA. CABIMENTO. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1 A controvérsia apresentada no presente agravo interno é restrita à possibilidade de se assegurar, na via administrativa, o direito à restituição do indébito tributário reconhecido por decisão judicial em mandado de segurança.

2 O direito de o contribuinte reaver os valores pagos indevidamente ou a maior, a título de tributos, encontra-se expressamente assegurado nos arts. 165 do CTN, 73 e 74 da Lei 9.430/1996 e 66, § 2º, da Lei 8.383/1991, podendo ocorrer de duas formas: pela restituição do valor recolhido, isto é, quando o contribuinte se dirige à autoridade administrativa e apresenta requerimento de ressarcimento do que foi pago indevidamente ou a maior, ou mediante compensação tributária, na qual o crédito reconhecido é utilizado para quitação de débitos vincendos de quaisquer tributos ou contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, após o trânsito em julgado da decisão judicial. Em ambas as hipóteses não há qualquer restrição vinculada à forma de reconhecimento do crédito – administrativa ou decorrente de decisão judicial proferida na via mandamental, para a operacionalização da devolução do indébito.

3 A Primeira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.114.404/MG, sob a sistemática do recurso repetitivo, consolidou o entendimento de que a sentença declaratória do crédito tributário se consubstancia em título hábil ao ajuizamento de ação visando à restituição do valor devido. Referido entendimento foi reproduzido ainda no enunciado da Súmula 461 do próprio STJ (o contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado).

4 Ademais, não há obrigatoriedade de submissão do crédito reconhecido pela via mandamental à ordem cronológica de precatórios, na forma imposta pelo art. 100 da Constituição Federal, já que esse dispositivo se refere ao provimento judicial de caráter condenatório, que reconhece um direito creditório, o que não se verifica na hipótese dos autos, em que o acórdão recorrido apenas declarou o direito de repetição de indébito pela via administrativa, ainda que em espécie.

5 Ao consignar a possibilidade de restituição de indébito tributário reconhecido na via mandamental, a Corte Regional seguiu a compreensão firmada por ambas as turmas integrantes da Primeira Seção do STJ, segundo a qual “o mandado de segurança é via adequada para declarar o direito à compensação ou restituição de tributos, sendo que, em ambos os casos, concedida a ordem, os pedidos devem ser requeridos na esfera administrativa, restando, assim, inviável a via do precatório, sob pena de conferir indevidos efeitos retroativos ao mandamus” (AgInt no REsp 1.895.331/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 24/5/2021, DJe 11/6/2021).

6 Agravo interno desprovido.

(AgInt no REsp n. 1.944.971/RS, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 5/6/2023, DJe de 22/6/2023.) (Grifou-se)

É possível concluir que, quando se autoriza a repetição de indébito na esfera administrativa, não se está a condenar a Fazenda Pública a emitir uma ordem de pagamento de um valor assegurado judicialmente, em total afronta à ordem cronológica dos precatórios.

Está, apenas, a se autorizar que os contribuintes postulem, diretamente na esfera administrativa, a restituição do indébito não prescrito, com base em critérios jurídicos assegurados judicialmente.

No entanto, no RE 1.420.691, objeto do Tema 1262, onde se decidirá sobre questão que afetará todos os contribuintes brasileiros, essa não parece ser a questão em análise.

O contribuinte, naqueles autos, sustenta “inexistir violação do art. 100 da Constituição Federal, porquanto não há que se falar em precatório como único formato para a restituição do indébito, notadamente por quê a proteção ao erário já está garantida, pela análise pelo Poder Judiciário” (excerto extraído da decisão submetida ao plenário virtual para reconhecer a repercussão geral do tema).

Não é possível saber se o contribuinte defende a possibilidade de condenar a Fazenda Pública a restituir valores na esfera administrativa, em clara ofensa ao art. 100 da CF/88, ou se pretende apenas assegurar o direito de formular novos pedidos de restituição com base em critérios assegurados judicialmente, como aceito pelo STJ e Tribunais Regionais Federais.

Além disso, há outro aspecto que sinaliza que o paradigma é imprestável para definir matéria tão relevante: o contribuinte não tem interesse processual na discussão submetida ao plenário virtual, pois renunciou ao direito à restituição administrativa. É o que revela a reprodução parcial das contrarrazões ao recurso extraordinário da Fazenda:

Embora a renúncia não tenha sido considerada válida, diante da ausência de poderes específicos para esse fim no instrumento de mandato, é certo que, no caso em concreto, mostra-se prescindível defender o direito de postular a restituição administrativa dos créditos assegurados judicialmente.

Não parece acertado que uma discussão tão relevante, que será aplicável a todos os contribuintes brasileiros, seja definida em um processo em que os patronos da parte demonstraram desinteresse processual e em autos que não contemplam os fundamentos abraçados por diversos Tribunais pátrios, inclusive pelo guardião da interpretação da legislação federal, o STJ.

Quem sabe por isso a decisão submetida ao Plenário Virtual do STF já conta com 2 votos para reafirmar a jurisprudência pátria (em 16/08/2023) no sentido de que “Todo pagamento devido pela Fazenda Pública em razão de decisão judicial deve observar o regime de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o valor da condenação, nos termos do art. 100 da Constituição Federal.

Ocorre que a Corte Suprema não analisa a possibilidade de os contribuintes formularem NOVOS PEDIDOS DE RESTITUIÇÃO com base em CRITÉRIOS JURÍDICOS ASSEGURADOS JUDICIALMENTE, relativos ao período não prescrito, considerando que a impetração de mandado de segurança possui o condão de interromper e suspender o prazo prescricional para postular a repetição de indébito.

Ora, o contribuinte poderia ter postulado, de início, a repetição do indébito na esfera administrativa, com base no art. 165 do CTN. Não o fez, contudo, porque primeiro precisou afastar critério ilegal adotado pela autoridade administrativa.

Uma vez afastado o critério ilegal, exsurge o direito de ter seu pedido administrativo devidamente analisado.

Esse novo pedido deverá ser julgado e poderá ser indeferido se o Fisco constatar inexistência do cumprimento dos requisitos legais e assegurados judicialmente, ou seja, com base em fundamento diverso daquele objeto da prévia discussão judicial.

O reconhecimento judicial do direito à restituição do indébito na esfera administrativa apenas impede que a Autoridade Fiscal indefira o pedido de plano, somente porque o contribuinte teve que se socorrer ao Judiciário para assegurar seu direito.

Esse procedimento não equivale a uma condenação judicial executada na esfera administrativa! Quem tem o mínimo de experiência na área tributária (onde não são incomuns as liquidações zeradas) sabe que o reconhecimento de determinado critério jurídico é apenas um pequeno passo para o reconhecimento do indébito tributário, o qual deverá ser exaustivamente comprovado.

A questão aqui tratada não tem sido analisada pelo STF nos precedentes reproduzidos na decisão submetida ao plenário virtual.

Além disso, a indefinição jurisprudencial quanto à medida cabível para reaver o indébito com base em decisão judicial proferida em mandado de segurança mereceria um estudo a parte.

Neste aspecto, parte do judiciário compreende que seria necessário postular, mediante cumprimento de sentença, os valores recolhidos indevidamente durante o trâmite da ação mandamental e, mediante o ajuizamento de nova ação pelo rito comum, os valores recolhidos no quinquênio que antecedeu a impetração, em face das Súmulas 269 e 271 do STF[1].

Por outro lado, há corrente que entende que todos os valores (anteriores e posteriores à impetração) devem ser postulados mediante ação de cobrança (corrente que vem ganhando força perante o STJ) e, em sentido diametralmente oposto, mediante cumprimento de sentença (corrente minoritária).

Assim, o contribuinte que se ver impossibilitado de compensar o indébito, depois de uma batalha judicial que pode levar décadas, será obrigado a ajuizar nova demanda para expedir o famigerado precatório, trazendo ao judiciário discussão potencialmente complexa na apuração do quantum, com realização de prova pericial, envolvendo questões técnicas que seriam muito mais facilmente resolvidas na esfera administrativa, onde há auditores fiscais capacitados para realizar a liquidação, com muito mais tempo, já que não seriam submetidos aos prazos preclusivos previstos no CPC para resposta.

É ilógico fazer um judiciário, já sobrecarregado, ter que julgar diretamente questões que poderiam se resolver na esfera administrativa.

Espera-se que o STF reconheça a repercussão geral do Tema 1262 e possibilite uma análise mais detalhada sobre a possibilidade de que os contribuintes formulem novos pedidos de restituição com base em critérios reconhecidos judicialmente, ou então que os contribuintes possam trazer essa discussão específica para um novo tema de Repercussão Geral no futuro.

 

[1] Súmula 269/STF: O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.
Súmula 271/STF: Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.

 

Por Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto
Advogada OAB/SC 29.924

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