Tema 1.079/STJ – Da adesão a mandado de segurança coletivo para utilização de decisão favorável face à modulação de efeitos
No dia 02/05/2024, houve a publicação do acórdão proferido no julgamento do Tema nº 1.079 dos Recursos Repetitivos, realizado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual se fixou a tese de que a base de cálculo das contribuições destinadas ao SESI, SENAI, SESC e SENAC não está submetida ao limite de 20 salários-mínimos desde o início da vigência do Decreto-Lei 2.318/1986.
Embora o julgamento tenha sido contrário aos contribuintes, considerando haver ruptura com o anterior posicionamento favorável aos contribuintes, os efeitos da decisão judicial foram modulados, ou seja, foi conferido efeito prospectivo ao novo entendimento da Corte “tão-só com relação às empresas que ingressaram com ação judicial e/ou protocolaram pedidos administrativos até a data do início do presente julgamento, obtendo pronunciamento (judicial ou administrativo) favorável, restringindo-se a limitação da base de cálculo, porém, até a publicação do acórdão”.
Dessa forma, os litigantes que obtiveram decisão administrativa ou judicial favorável em ações ou pedidos administrativos protocolados até 25/10/2023, ficarão livres da incidência das contribuições sociais em discussão em relação aos fatos geradores ocorridos até 02/05/2024.
Os termos da modulação ainda podem ser alterados, quando do julgamento dos embargos de declaração opostos pelas partes. A União Federal e Entidades pugnam pela restrição da modulação, já a Contribuinte postula sua ampliação.
Não obstante, muitos profissionais têm abordado nosso escritório e nossos clientes que não obtiveram decisões favoráveis em seus processos judiciais oferecendo adesão a um mandado de segurança coletivo que possui decisão judicial favorável na matéria, a fim de viabilizar a recuperação de alguns valores.
Embora seja uma possibilidade potencialmente viável, torna-se relevante estabelecermos algumas ponderações, pois há aspectos específicos relacionados à utilização do mandado de segurança coletivo na esfera tributária que ainda não foram pacificados pelo judiciário e podem gerar situação de insegurança fiscal àqueles que dele se aproveitarem sem cautela.
Como bem propagam os defensores do uso da medida coletiva, a jurisprudência pátria majoritária admite a utilização de decisão favorável proferida em mandado de segurança coletivo por todos os associados, independentemente se a filiação ocorreu após a impetração.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 1.119 da repercussão geral, fixou a tese de que “É desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil”.
No entanto, este entendimento não é suficiente para trazer segurança às propostas de adesão que nos foram apresentadas e a nossos clientes, pois há outros riscos envolvidos.
Por exemplo, até o momento, não localizamos precedentes analisando se os filiados posteriormente ao julgamento do Leading Case poderão ser beneficiados com as ressalvas da modulação de efeitos da decisão favorável proferida no julgamento do Tema nº 1.079.
Convenhamos, não seria surpreendente se a União se opusesse a essa fruição, por entender que constitui verdadeira forma de burlar a modulação dos efeitos conferida no julgamento do Repetitivo.
Outro ponto que demanda cautela diz respeito às entidades genéricas que ajuízam mandados de segurança coletivos visando obter decisões para uma alta gama de associados sem representar um grupo ou categoria específica, distanciando-se das finalidades da própria associação.
No julgamento do ARE nº 1.339.496/RJ, a Segunda Turma do STF decidiu que a tese firmada através do Tema nº 1.119 não se aplica às associações genéricas, reconhecendo a ilegitimidade da ABCT – Associação Brasileira de Contribuintes de Tributos.
Baseados nesse entendimento, os Tribunais Regionais Federais da 3ª e 4ª Região vêm reconhecendo a ilegitimidade ativa dessas associações quando não comprovado o interesse dos seus associados na impetração do mandamus.
Por exemplo, a 2ª Turma do TRF da 4ª Região, nos autos da Apelação Cível nº 5014890-66.2022.4.04.7200, reconheceu a ilegitimidade ativa da ANCT – Associação Nacional dos Contribuintes de Tributos e destacou que “Ainda que não seja necessária a apresentação do rol dos filiados e autorização para representação em juízo, remanesce a ilegitimidade da entidade associativa para impetrar mandado de segurança coletivo quando não demonstrado o interesse de seus associados na ordem postulada”. (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº 5014890-66.2022.4.04.7200, Relator Desembargador Federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, 2ª Turma, julgado em 21/11/2023. Disponível aqui.
Nesse mesmo sentido, decidiu a 3ª Turma do TRF da 3ª Região nos autos da Apelação/Remessa Necessária nº 5000172-94.2016.4.03.6103 (BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação/Remessa Necessária nº 5000172-94.2016.4.03.6103, Relator Desembargador Federal Antônio Carlos Cedenho, 3ª Turma, julgado em 06/05/2021. Disponível aqui.
Como a questão envolve matéria de ordem pública, até o trânsito em julgado do mandado de segurança coletivo a (i)legitimidade da parte pode ser reconhecida.
Outro aspecto que tem sido pouco abordado dentre contribuintes e advogados, diz respeito à forma de cálculo do crédito, algo que também pode ser objeto de controvérsia e ter vultoso impacto. Nos embargos de declaração opostos no Leading Case, a União alega que o “teto das contribuições era calculado por trabalhador, pois aplicado ao ‘salário-de-contribuição’ e não à ‘folha de salários’”.
Esse é um aspecto que, se definido a favor da Fazenda, pode acabar por frustrar as expectativas dos contribuintes quanto ao valor do crédito a recuperar, pois haverá aplicação do teto na apuração da base de cálculo das contribuições apenas com relação aos funcionários que ganham mais de 20 salários-mínimos.
Quanto aos efeitos territoriais das decisões proferidas em mandados de segurança coletivos, o STJ tem se posicionado no sentido de que não estão limitados ao âmbito territorial da jurisdição do órgão prolator da decisão. No entanto, as decisões judiciais não são unânimes neste ponto. É preciso, portanto, avaliar a decisão judicial no caso concreto para saber se há alguma limitação territorial antes de realizar qualquer aproveitamento.
Além dos pontos já abordados, podem surgir questionamentos quanto aos procedimentos para aproveitamento da decisão favorável obtida no mandado de segurança coletivo, ainda mais quando se anuncia a possibilidade de compensação imediata na esfera administrativa, como temos visto.
Segundo as regras gerais para aproveitamento de créditos assegurados judicialmente, só é permitido aproveitar-se do crédito após o trânsito em julgado da decisão judicial (artigo 170-A do CTN) e mediante prévia habilitação do crédito perante a Receita Federal do Brasil (artigo 100 e seguintes da IN/RFB nº 2.055/2021). Inclusive, a maior parte das decisões judiciais, na esfera tributária, trazem em seu dispositivo a referida limitação.
Ou seja, a compensação amparada em decisão judicial oriunda de uma ação judicial individual ou coletiva, para ser considerada válida, precisa obrigatoriamente aguardar o trânsito em julgado. Há farta jurisprudência neste sentido. Se ela for realizada antes, o contribuinte deverá contar com a ineficiência da Fazenda no prazo de 5 anos, para que ela não perceba que o Contribuinte se antecipou na realização do encontro de contas. Se a Fazenda promover o lançamento fiscal, as chances de sustentar a compensação são pequenas.
Ou seja, o sucesso da operação é incerto e arriscado. Portanto, o contribuinte precisa avaliar seu apetite por risco.
A realização da compensação somente depois do trânsito em julgado e da habilitação pode mitigar ou até mesmo anular os riscos apontados até aqui (a legitimidade da associação, a forma de quantificar o crédito e a delimitação territorial costumam ser matérias apreciadas pelas decisões judiciais e poderá estar sob a proteção da coisa julgada, fazendo-se necessário avaliar a situação específica).
É preciso lembrar, ainda, para aqueles que possuam ações individuais, faz-se necessário postular a sua desistência no prazo de 30 dias a contar da ciência da impetração do mandado de segurança coletivo, nos termos do artigo 22, § 1º, da Lei nº 12.016/2009.
Desse modo, tratando-se de uma situação relativamente nova, em que o Poder Judiciário ainda não prestou um posicionamento firme que traga segurança jurídica aos litigantes, o Contribuinte deve ter cautela na opção de aproveitar créditos assegurados em mandados de segurança coletivos, observando possíveis restrições aplicáveis a essa medida judicial e analisando especificamente o seu caso, já que uma eventual alteração ou evolução jurisprudencial pode frustrar sua expectativa de obtenção de proveito econômico.
Embora tenhamos indicado diversos pontos que demandam cautela, entendemos que a adesão a mandados de segurança coletivos pode sim trazer benefícios aos contribuintes, apesar de envolver certos riscos. Entendemos ainda que empresários e gestores fiscais devem ser informados das vulnerabilidades dessa operação, para que possam fazer uma escolha informada.
Os profissionais da Queiroz Miotto Advogados estão à disposição para dirimir quaisquer dúvidas e auxiliá-los na análise de cada caso, a fim de identificar a situação mais benéfica e a viabilidade do caso concreto.
Camilly Reis Alves
Eneida Vasconcelos de Queiroz Miotto
Suelem Salette Padilha