O STJ pode adotar a data da afetação do tema ao rito dos Recursos Repetitivos como critério para a modulação de efeitos?
É notória a adoção de diversos parâmetros nas modulações do Tribunal da Cidadania.
Em artigo anterior tratamos sobre o instituto da modulação e sua aplicação em matéria tributária, segregando no tempo os efeitos de decisões judiciais, bem como mirando a preservação da segurança jurídica e a boa-fé das relações estabelecidas sob a vigência de determinada norma jurídica e/ou precedente superado. Na prática, a sua aplicação confere novos limites às decisões judiciais, que usualmente possuem eficácia ampla (abrangendo os períodos pretéritos), estabelecendo limitação temporal dos efeitos a partir de determinado momento tido como adequado pelo tribunal, dentre os quais: trânsito em julgado, publicação da ata, data anterior ou posterior, etc.
A ausência de critérios homogêneos e a sua abundante aplicação são alguns dos principais desafios dos profissionais de tax, bem como do universo de contribuintes por ela impactados.
Se no Supremo Tribunal Federal as modulações em matéria tributária são frequentes desde o julgamento do Tema 69, no Superior Tribunal de Justiça percebe-se um recente tracionamento. Apesar de já ter sido aplicada em outras temáticas, foi somente em 2023 que a Corte Superior passou a utilizar este instituto em controversas tributárias, e com posturas inovadoras, conforme demonstrado abaixo:
a) Tema Repetitivo 1125 (ICMS-ST não compõe a base de cálculo do PIS/COFINS): julgado em 13/12/2023, o mérito foi favorável aos contribuintes pela exclusão do ICMS-ST e modulou-se a produção de efeitos a partir da publicação da ata do julgamento, ressalvando as ações judiciais e os procedimentos administrativos em curso. Posteriormente, os embargos foram parcialmente acolhidos fixando que a mutação jurisprudencial ocorreu com o Tema 69 da Repercussão Geral. Consequentemente, o mesmo marco temporal fixado pela Suprema Corte foi aplicado (15/03/2017), em face da simetria dos temas. Essa adequação mostrou-se favorável aos contribuintes sem lide ajuizada na data do julgamento, pois poderão reaver os pagamentos não prescritos (o que no julgamento inicial não estava nítido);
b) Tema Repetitivo 986 (TUSD/TUST compõem a base de cálculo do ICMS): julgado em 13/03/2024, entendeu que a jurisprudência era favorável aos contribuintes até a apreciação do REsp 1.163.020/RS pela 1ª Turma (julgamento em 21/03/2017 e publicação no DJe em 27/03/2017). O mérito do julgamento foi contrário aos contribuintes, reconhecendo a tributação das tarifas, inclusive de consumidores do livre mercado. Apesar de ter sido aplicada a modulação, os critérios inaugurados pelo STJ limitaram sobremaneira o universo de contribuintes cuja exação foi afastada, eis que necessário, cumulativamente: (i) terem decisões antecipando a tutela em 27/03/2017; (ii) ser autorizado o recolhimento do ICMS sem as tarifas, independente do depósito judicial; (iii) tais decisões estarem vigentes. A esmagadora maioria dos contribuintes não foram abarcados pela modulação:
“2. A modulação aqui proposta, portanto, não beneficia contribuintes nas seguintes condições: a) sem ajuizamento de demanda judicial; b) com ajuizamento de demanda judicial, mas na qual inexista Tutela de Urgência ou de Evidência (ou cuja tutela outrora concedida não mais se encontre vigente, por ter sido cassada ou reformada); c) com ajuizamento de demanda judicial, na qual a Tutela de Urgência ou Evidência tenha sido condicionada à realização de depósito judicial; e d) com ajuizamento de demanda judicial, na qual a Tutela de Urgência ou Evidência tenha sido concedida após 27.3.2017.”
c) Tema Repetitivo 1079 (Limitação da base de cálculo das terceiras entidades em 20 salários-mínimos): também julgado em 13/03/2024, prevaleceu o entendimento de que as contribuições não estão submetidas ao teto de vinte salários. Diante do overruling, foram modulados os efeitos do julgamento tão-somente às empresas com discussão (judicial e/ou administrativa) protocolada até 25/10/2023, com pronunciamento favorável, contudo sendo-lhes aplicável a limitação da base de cálculo em 20 salários-mínimos até a publicação do acórdão, ocorrida em 02/05/2024. Os embargos apresentados foram rejeitados em 17/09/2024.
Além da pluralidade dos parâmetros, nota-se que os critérios adotados são sobremaneira restritivos, limitando os efeitos para um grupo restrito.
Fato é que tal restrição tende a ser agravada.
Alguns ministros do STJ já externaram sua posição de adoção da data de afetação do tema repetitivo como limite temporal dos efeitos no caso de modulação, dentre os quais o Ministro Gurgel de Faria:
“Um dos critérios que eu já li e que eventualmente pode ser adotado, até para ter mais justiça, é, se vier a modular, fixar não a data do julgado, mas a data de afetação. Quem entrou até aquela data, ótimo, para quem entrou depois não iria valer. Não é o melhor critério, mas é um dos critérios. Os que estão sendo usados agora estão estimulando essa litigância”.
Corroborando tal corrente, o Ministro Paulo Sérgio Domingues destacou a conduta de ingresso de inúmeras ações quando é pautado caso relevante para julgamento vinculante:
“Eu sou mais favorável, em geral, não em casos concretos, que a data de modulação seja fixada a partir do dia da afetação do que da data do julgamento. Porque o que a gente mais vê é uma corrida para propor ações, e eu entendo que os advogados façam exatamente isso. Mas não é esse o intuito, porque quando se fala na possibilidade de afetação é para diminuir o número de ações e para dar segurança jurídica às partes”.
A PGFN tem militado neste sentido. Nos Embargos de Declaração apresentados no Tema 985 (este perante o STF, tratando das contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias), em face da modulação que ressalvou os contribuintes com processos protocolados até a data da publicação da ata do julgamento, o ente busca a substituição do termo a quo para a data da afetação:
“… caso entenda o Tribunal pela existência de justa expectativa dos contribuintes, esta teria cessado com a notícia à comunidade jurídica de que a matéria foi afetada pela Suprema Corte como questão constitucional a ser julgada em sede de repercussão geral, momento em que deve ser fixada a modulação de efeitos na data da afetação do tema 985 ao regime de repercussão geral, ou seja, 23/02/2018, matéria debatida mas não apreciada pelo Plenário”.
Na mesma petição, a Procuradoria cita a existência de 5 mil processos até a afetação e um montante superior a este (8,7 mil) foram distribuídos após tal data.
Como exposto, a falta de uniformidade na aplicação do instituto da modulação é latente e foi ampliada por sua adoção pelo STJ. É importante os contribuintes estarem atentos a estas movimentações, pois a ventilada adoção da data da afetação do tema à sistemática dos recursos repetitivos como marco temporal para ressalvar as lides em curso, se aplicada, inviabilizará o aproveitamento da tese àqueles sujeitos passivos cuja conduta atual é manter-se inerte até a matéria ser pautada para julgamento vinculante.
Jhoni Andres
